CONSEQUÊNCIAS DA TRAGÉDIA: Após enchentes, Rio Grande do Sul pode sofrer crise sanitária com proliferação de bactérias e parasitas - Nosso Oeste - A notícia de todos os lados

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03 junho 2024

CONSEQUÊNCIAS DA TRAGÉDIA: Após enchentes, Rio Grande do Sul pode sofrer crise sanitária com proliferação de bactérias e parasitas


 

As consequências da tragédia causada pelas recentes inundações no Rio Grande do Sul são incalculáveis e, infelizmente, extrapolam a nossa imaginação, sobretudo pelas diferentes nuances que podem assumir. Infelizmente, essa tragédia ainda nos reserva muitas surpresas, mesmo após as águas baixarem e as pessoas retornarem às suas vidas (dentro do possível) normais.

 

Muito se tem discutido sobre a perda de vidas, de infraestrutura pública, de patrimônio e bens acumulados durante vidas inteiras e sobre as dificuldades - ou mesmo impossibilidade - de recuperá-los.

 

No entanto, pouco se tem falado sobre os riscos sanitários que esses eventos geralmente acarretam e cujas consequências começam a ser sentidas à medida que a situação se prolonga. Nesse sentido, a questão sanitária representa um componente crítico dessa crise e, como tal, deve ser tratada.

 

OS RISCOS QUE AS ÁGUAS TRAZEM

 

Vários micro-organismos causadores de doenças - como vírus, bactérias e parasitas - vivem no ambiente à espreita e, sob condições apropriadas, emergem das águas, da lama e do lixo para expressar o seu enorme potencial nocivo. Alguns desses organismos são altamente deletérios para a saúde humana, e a sua emergência e disseminação são amplamente favorecidas pela deterioração das condições de saneamento básico, habitação, higiene, limpeza urbana, nutrição e de saúde física e mental.

 

São condições ideais para uma tempestade perfeita, sobretudo quando associadas aos ambientes altamente lotados e pouco salubres dos abrigos públicos, agravados pelas deficiências históricas do nosso sistema de saúde. São inimigos silenciosos, que se alastram sem alarde e, não raras vezes, causam estragos maiores do que rios caudalosos fora dos leitos ou do que a elevação prolongada nos níveis das águas.

 

Dentre as doenças associadas com inundações, destaca-se a leptospirose, cuja bactéria é transmitida pela urina, principalmente de ratos, e penetra através da pele das pessoas que ficam em contato prolongado com água contaminada. Minimizam-se os riscos de contaminação evitando o contato com a água das enchentes e/ou utilizando botas e luvas de borracha para proteção. Quando o contato é inevitável, recomendam-se banhos com água limpa e sabonete após a exposição, além de busca ao serviço de saúde aos primeiros sinais de febre, dores musculares e mal-estar.

 

Doenças adquiridas pelo consumo de água contaminada, como a hepatite A, gastroenterites virais, bacterianas e parasitárias, também são importantes atores nessas situações, pois as estações de tratamento de água e esgoto estão colapsadas ou, na melhor das hipóteses, sobrecarregadas e incapazes de oferecer água potável suficiente. Essas doenças podem ser evitadas pelo consumo exclusivo de água engarrafada, fervida ou adicionada de hipoclorito de sódio a 2.5%. E, aos primeiros sinais de doença (diarréia, náuseas, vômitos), deve-se procurar a unidade de saúde.

 

Para pessoas envolvidas diretamente nos resgates, o tétano é uma preocupação adicional, pelo contato da pele com eventuais ferimentos com água e solo contaminado. Essa doença pode ser prevenida por desinfecção/limpeza das feridas após a exposição e/ou vacinação.

 

Cobras, escorpiões e aranhas são outros importantes atores nessas tragédias e podem, ocasionalmente, causar acidentes com pessoas.

 

RECONSTRUÇÃO COM PARTICIPAÇÃO DE TODOS

 

Passada a crise humanitária e sanitária aguda, o momento de reconstrução da infraestrutura pública deve incluir necessariamente a limpeza criteriosa dos ambientes urbanos, a recuperação de estações de tratamento de água e esgoto, além dos sistemas de esgotamento pluvial das cidades, para que eventuais eventos futuros tenham menor impacto sanitário. As deficiências na estrutura e operação do sistema oficial de saúde no enfrentamento da crise também podem servir de lições, ensejando ações oficiais para corrigi-las.

 

É evidente que a questão sanitária é um importante componente da crise atualmente vivida pela população do Rio Grande do Sul. E precisa ser levada a sério. Para isso, é necessário o engajamento completo e incansável de todos os setores da sociedade gaúcha e também nacional.

 

Além das ações que cabem ao poder público, a mídia possui um papel importante, pela divulgação de informações relevantes e confiáveis, com embasamento e foco exclusivamente técnicos, desprovidas de conotação ideológica ou política.

 

À população cabe, em curto prazo, acompanhar as informações e seguir as recomendações oficiais. À médio e longo prazos, deve seguir as orientações relativas à preservação do ambiente urbano e rural, evitando desmatar e construir em áreas de risco, dando destinação correta ao lixo, contribuindo para a limpeza urbana, evitando criatórios de mosquitos: ações muitas vezes negligenciadas pela maioria da população e que somente são valorizadas nesses momentos.

 

Se todas essas medidas tivessem sido adotadas, provavelmente o impacto dessa tragédia ambiental - e sanitária - teria sido infinitamente menor.



FONTE: parte de um artigo escrito pelos médicos Eduardo Furtado Flores, veterinário virologista e professor de Saúde Pública Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Bibiana Flores Vogel, acadêmica do Curso de Medicina, Universidade Franciscana (UFN) publico no UOL.

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